V. Do chão para o céu - O relógio solar e as estações do ano

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Se podemos dizer que o início da medição do espaço está ligado à Geometria no Egito Antigo, a medição do tempo está ligada a outro ramo da Física ainda mais antigo: a Astronomia. A origem da palavra Astronomia é grega (astro = astro, nomos = lei) e significa lei dos astros. Ao contrário da massa e do espaço, não é possível escolher uma amostra de tempo e tomá-la nas mãos. Por isso, a observação e a descrição do movimento dos astros (Sol, Lua, estrelas e planetas) foram o ponto de partida para a medição do tempo.


Uma das maneiras mais antigas de se medir o tempo é através do relógio solar, um dos mais antigos instrumentos astronômicos, cujos primeiros exemplares datam de 1500 a.C.. Seu uso reflete uma determinada consciência do tempo, o que, articulado com as atividades dos homens ao longo do dia e do ano, transformaram-no num importante instrumento social para a determinação das horas do almoço, das rezas, dos negócios e das festas ao longo do ano, principalmente daquelas pessoas que moravam em cidades.



 Relógio solar segurado por um anjo na Catedral de Chartres, construída no século XIII, na França. Numa determinação do Papa Sabiniano, no século VII d.C., os relógios solares tinham que ser colocados nas igrejas, pois determinavam as horas das orações.


Os relógios solares podem apresentar os mais diferentes formatos e tamanhos, mas todos possuem um ponteiro e uma superfície sobre a qual as horas do dia são determinadas. Relógios solares podem também apresentar um calendário solar, que, além das horas, determinam também os meses do ano. 

Exemplos de relógios solares: enquanto o relógio solar da esquerda mede apenas as horas, o da direita é também um calendário solar.

Por mais diferentes que sejam, todos os relógios solares medem o tempo a partir da sombra que o ponteiro faz sobre a superfície sobre a qual as horas estão indicadas. O ponteiro do relógio solar, por sua vez, é também conhecido com gnómon. Essa palavra de origem grega, antes de se referir ao ponteiro do relógio solar, se referia a pessoas que tinham uma “regra para avaliar e distinguir as coisas”. Por esse motivo, o ponteiro do relógio solar foi chamado de gnómon, indicando uma regra ou medida para diferenciar as horas do dia. 

As sombras projetadas pelo gnómon ao longo do dia.

Como a figura acima, o relógio solar mais simples é uma vareta apoiada no chão e, na medida em que o Sol se movimenta, sua sombra muda de comprimento e posição. As horas indicadas estão, em relação à vareta, sempre em oposição ao Sol, sendo que as sombras possuem os maiores comprimentos quando o Sol nasce e se põe, enquanto o menor comprimento da sombra acontece ao meio-dia, maneira pela qual essa hora é definida. Esse movimento do Sol que causa a variação do comprimento da sombra do relógio solar é conhecido como movimento diurno aparente e, na medida em que acontece, muda sua altura. O Sol mais alto acontece a uma altura de 90˚, enquanto no nascer e no pôr do Sol sua altura é de 0˚.

A altura do Sol corresponde ao ângulo (α) que a linha do Sol (SP) forma com a reta associada à linha do horizonte (HP) no ponto P. A reta PZ é uma reta vertical à superfície π e o ponto Z é chamado de zênite.


Porém, a altura do Sol e o comprimento da sombra do relógio solar não mudam apenas ao longo de um dia, mudam também ao longo de um ano. Isso possibilita o relógio solar indicar os meses do ano e a ele estar associado um calendário solar. Na cidade de São Paulo, no campus da Cidade Universitária da USP, é possível encontrar um desses relógios.

 Relógio solar projetado pelo escultor Caetano Fraccaroli, em 1985.



Foto do projeto de Caetano Fraccaroli para o relógio solar da USP. 

Além de indicar as horas, o relógio solar da USP indica as constelações do zodíaco, as datas correspondentes ao início de cada uma delas, os Solstícios de Inverso (em torno do dia 20/06) e de Verão (em torno do dia 21/12) e os Equinócios de Outono (em torno do dia 20/03) e da Primavera (em torno do dia 20/09), datas que marcam, no hemisfério Sul, o início dessas estações. No hemisfério Norte, as datas dos Solstícios são o contrário em relação ao que acontece no hemisfério Sul, assim como para os Equinócios. 


 A sombra do ponteiro do relógio solar da USP projetada no chão marcando a hora e a data: um pouco depois das 12h e entre 20 de Março e 20 de Abril. Essa foto foi tirada às 12h15 do dia 6 de Abril de 2012.

Como se vê nas imagens acima, no chão do relógio solar da USP estão marcadas as datas associadas às constelações do zodíaco (capricórnio: 21/12 – 21/01; aquário: 21/01 – 20/02, peixes: 20/02 – 20/03), uma vez que o comprimento das sombras do relógio solar muda em função da época do ano, tendo o menor comprimento próximo ao dia 21 de Dezembro (no Solstício de Verão) e maior comprimento próximo ao dia 20 de Junho (no Solstício de Inverno).


Da foto do alto à esquerda, em sentido horário, as sombras projetadas no chão do relógio solar da USP nos dias 06/04, 13/06, 23/09 e 18/11.

Essas características na altura do Sol e na sombra produzida por um relógio solar ao longo do dia e do ano permitem estabelecer uma relação entre os movimentos do Sol e o clima na Terra. Isso pode ser feito analisando o funcionamento de um relógio solar ao meio-dia e em diferentes épocas do ano localizado na zona temperada terrestre, como mostra a figura abaixo.

A variação do comprimento da sobra do relógio solar e da altura do Sol ao meio-dia em diferentes épocas do ano num lugar na zona temperada da Terra. 

A variação do comprimento da sombra ao meio-dia em diferentes épocas do ano acontece por causa do que é chamado de movimento anual do Sol. A sombra do relógio solar ao meio-dia da figura acima tem seu comprimento mínimo (PA) quando o Sol está mais alto, no Solstício de Verão. Da mesma forma, a sombra é máxima (PC) quando o Sol está mais baixo, o que acontece no Solstício de Inverno. Finalmente, o comprimento da sombra é intermediário nos Equinócios, quando o Sol está numa posição intermediária entre o Sol de Verão e Inverno. Tudo isso permite associar as estações do ano às sombras do relógio solar: o Verão tem início no ponto A e termina no ponto B; Outono começa em B e vai até o ponto C; o Inverno, do ponto C ao ponto B; e a Primavera, do ponto B ao ponto A. É exatamente por isso que o relógio solar permite também identificar as épocas ou estações do ano e no relógio solar da USP estão presentes os comprimentos das sombras associadas aos Equinócios e Solstícios. 

A partir dessa associação entre a altura do Sol e o comprimento da sombra no relógio solar, pode-se definir também o ano solar como o período em que a sombra ao meio-dia leva para voltar ao mesmo comprimento; desde a antiguidade, esse tempo é conhecido com sendo de cerca de 365 dias.
Outra associação, portanto, que o relógio solar permite fazer é entre o comprimento da sombra, determinado pela altura do Sol, e o clima na Terra: quanto menor o comprimento da sombra, mais quente e, quanto maior seu comprimento, mais frio, diferenças associadas às estações do ano. Dessa maneira, a altura do Sol, que determina o comprimento da sombra do relógio solar, determina também o clima na Terra. Não é à toa que o ano solar, ou seja, o tempo em que a sombra do relógio solar leva para voltar ao comprimento inicial, corresponde também ao tempo compreendido entre épocas de calor e frio, chuva e estiagem.

À esquerda, movimento que o Sol de Verão (“Summer Sun”) e o Sol de Inverno (“Winter Sun”) realizam no céu ao longo de um dia. À direita, a altura do Sol ao meio-dia ao longo de um ano na cidade de St. Louis, Missouri, EUA, localizada a 39˚ N.

Na figura acima, à direita, em St. Louis, o Sol encontra-se mais alto em torno do dia 21 de Junho (Solstício de Verão no hemisfério Norte), a uma altura de cerca de 75˚. Por outro lado, o Sol mais baixo acontece em torno do dia 22 de Dezembro (Solstício de Inverno no hemisfério Norte), a cerca de 30˚ de altura. Por sua vez, as maiores temperaturas nessa cidade acontecem um pouco depois do Solstício de Verão e as menores um pouco depois do Solstício de Inverno, como mostra o gráfico abaixo.


A variação média anual de temperatura (“Average Temperatura range”) na escala Fahrenheit entre os anos de 1971 e 2000 na cidade de St. Louis, Missouri.

Por tudo isso, pode-se concluir que as estações do ano são determinadas pela altura do Sol, o que faz com que os raios solares atinjam a Terra com maior ou menor intensidade.

Um feixe de raios solares incide sobre a superfície da Terra (T) em torno do ponto P a uma latitude de 40˚ N. Acima, no Verão, os raios solares formam um ângulo de 75˚ em relação à linha do horizonte (H), enquanto no inverno esse ângulo diminui para 30˚. Essa situação, por sua vez, acontece a praticamente a mesma latitude da cidade de St. Louis.

Nas figuras acima, um mesmo feixe de raios solares que incide sobre a região em torno do ponto P cobre um arco AB (em azul) de comprimento diferente no Verão e no Inverno. No Verão, o ângulo desse arco (AÔB) é de cerca de 15˚, enquanto no Inverno esse ângulo é o dobro, 30˚. Assim, porque a área de incidência dos raios solares aumenta no Inverno, quando o Sol está mais baixo, a intensidade da radiação solar incidente sobre a superfície da Terra diminui e as temperaturas são menores; no Verão, o contrário acontece. Podemos dizer que, com isso, a intensidade da radiação solar é inversamente proporcional a área da Terra incidente.

A variação da intensidade da radiação emitida por uma lanterna em função da área incidente: quanto maior a área sobre a qual a radiação incide, menor sua intensidade, como acontece com a lanterna à esquerda. 

Porém, além da altura do Sol variar ao longo do ano em um mesmo lugar, ela também varia, em um mesmo lugar, ao longo do dia e, em uma determinada época do ano, em lugares diferentes da Terra. Isso, por sua vez, determinará a intensidade da radiação ao longo do dia, maior próximo ao meio-dia, quando o dia está mais quente, e em diferentes lugares da Terra, maior entre os trópicos, mais quente, e menor nas regiões polares, mais frias

À esquerda, a variação da altura do Sol (“High sun” = Sol alto; “Low sun” = Sol baixo) e, consequentemente, da intensidade da radiação ao longo do dia sobre um mesmo lugar da Terra. À direita, a intensidade da radiação incidente sobre o polo Norte e sobre um lugar no trópico de Câncer é diferente em um mesmo instante.

Para se ter um ideia da variação da intensidade da radiação solar incidente sobre a Terra em função da época do ano, para a cidade de São Paulo, sobre o trópico de Capricórnio (23˚27’ S), ao meio-dia do Solstício de Verão (21/12), a intensidade da radiação solar incidente é 46% maior do que ao meio-dia do Solstício de Inverno (21/06), enquanto nos Equinócios (21/03 e 21/09) a intensidade da radiação solar incidente é 34% maior do que no Solstício de Inverno. 


Além dessa diferença na intensidade da radiação incidente sobre a Terra nas diferentes estações do ano, outra diferença importante e que também podemos associar ao que é observado no relógio solar diz respeito à duração do dia claro e da noite, característica determinada pela altura do Sol e onde nasce e se põe. 

Da esquerda para a direita: em amarelo, as trajetórias do Sol em três diferentes latitudes da Terra em épocas do ano diferentes (“December” = Dezembro, “June” = Junho, “Equinox” = Equinócio – Março ou Setembro, E = Leste, W = Oeste).

Como mostram as duas imagens mais à direita da fig. 19, o Sol nasce a leste e se põe a oeste apenas nos Equinócios da Primavera e de Outono. No hemisfério Sul, durante o Solstício de Verão, o Sol nasce e se põe mais a Sul e, durante o Solstício de Inverno, isso acontece mais a norte; no hemisfério Norte acontece o contrário. 

As posições do pôr do Sol na cidade de São Paulo nos Solstícios e Equinócios. 

 Pores do Sol sobre o rio Guaíba, em Porto Alegre em diferentes épocas do ano.

Com relação à duração do dia claro, tempo conhecido como fotoperíodo, ele é maior no Solstício de Verão e o menor no Solstício de Inverno, menos sobre a linha do Equador, onde a duração do dia claro e da noite é sempre de 12 horas. Como mostra a figura acima, em Junho, no Polo Norte, a 90˚ N, o Sol não se põe e o dia claro tem duração de 24 h. Lá, o Sol se movimenta ao redor de um observador a um altura muito baixa, de maneira que a intensidade da radiação solar incidente é também muito baixa; além disso, parte considerável da radiação solar incidente é refletida pela neve. Já sobre a linha do Trópico de Capricórnio, que passa pela cidade de São Paulo, a trajetória do Sol é maior em Dezembro, particularmente durante o Solstício de Verão, quando a duração do dia claro é a maior do ano e a duração da noite é a menor. Já no Equador, a duração do dia claro e da noite são sempre de 12 horas, pois, apesar do Sol dos Equinócios serem mais alto, o Sol de Dezembro e Junho não nascem e se põem exatamente a leste, diferença que compensa a maior altura do Sol nos Equinócios.

O fotoperíodo em diferentes latitudes ao longo do ano. 

O Sol de Junho no Alaska um pouco antes, durante e depois da meia-noite.

Pode-se dizer, então, que quanto maior a latitude, maior o fotoperíodo durante o Solstício de Verão e menor é a duração da noite, enquanto o contrário acontece durante o Solstício de Inverno. Isso, por sua vez, é determinado pela altura do Sol: quanto mais alto o Sol, maior o fotoperíodo, o que determina, por sua vez, as estações do ano, ou seja, épocas de mais calor ou frio, associadas às estações do ano.

De cima para baixo, altura do Sol e fotoperíodo na cidade de Porto Alegra ao longo do ano.

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